Esse foi o resultado de uma enquete que fiz recentemente em meu perfil no Instagram. 84%, entre leitores e amigos, votaram que SIM, que éramos felizes e não sabíamos. A frase pode soar clichê, mas o sentimento é genuíno. E pelo visto, essa sensação, de que "reclamávamos de barriga cheia" está sendo coletiva.
Acredito que todos nós, em algum grau, estejamos com esse misto de sensações, a incerteza do futuro e a saudade de um passado recente, cujo qual, ninguém estava preparado para abrir mão, assim, da noite para o dia.

Minha filha mais velha (13 anos) disse recentemente "Mãe, que loucura! Estou com saudade até de acordar às 6:15hrs para ir para escola! Saudade das aulas. Nunca achei que fosse sentir isso" e eu respondi "E eu estou com saudade de ir levar e buscar vocês na escola, de irmos ao mercado comprar lanche depois da aula e saudade da nossa correria". 
Não que não estejamos tentando otimizar nosso tempo em casa e não estejamos curtindo estar juntos, mas antes reclamávamos muito de ter que acordar às 6:15hrs, de ter horários inflexíveis; dos colegas de sala, das aulas de matemática. 
E isso nos fez sentir na pele e na alma a premissa básica humana, de que: "Só damos valor quando perdemos". 
E de que tendemos a valorizar as segundas chances (mas nem todos nós). 

Éramos felizes indo todos os sábados ao supermercado de sempre, depois parando na lanchonete de sempre e terminando a noite entediados vendo Netflix e comendo pizza?
Mas, isso não é o que estamos fazendo atualmente? Então, qual é a diferença?
A diferença é a LIBERDADE em poder DECIDIR. O Corona vírus confiscou abruptamente o nosso livre arbítrio, generosamente dado por Deus e assegurado até pela bíblia! 
Nós não gostamos de proibições, embora regras e conduta moral sejam parte da constituição das sociedades, desde que o mundo é mundo e que tenhamos que segui-las para garantir a ordem e a civilidade, a verdade é que ninguém gosta ou aceita bem, viver confinado, coagido e impedido de ESCOLHER. 
Há uma diferença bizarra entre estar em casa engordando num sábado à noite assistindo séries PORQUE QUER, por se estar demasiadamente cansado para sair e estar em casa num sábado à noite PORQUE NÃO SE PODE SAIR por correr risco de vida. O motivo também é muito importante: Não estamos em casa num sábado à noite porque está chovendo forte, mas sim porque tem um vírus mortal lá fora, nos obrigando a jogar uma roleta- russa que não queremos. 

Então, meus caros, a nossa nostalgia e a nossa saudade, não é necessariamente do trânsito caótico às 7:00 da matina, não é das aulas chatérrimas de matemática, mas sim, de uma época onde PODÍAMOS viver com as preocupações já conhecidas, já pré-instaladas de fábrica: Dinheiro; trabalho; saúde e violência. 
O Corona despejou o bicho-papão de estimação que todos nós temos embaixo da cama, aquele que nos causa a ansiedade e as angustias rotineiras, que já estamos acostumados a sentir e cedeu o lugar a um monstro totalmente desconhecido e ameaçador. 

Uma coisa é fato: Reclamar é um hábito comum à maioria dos seres humanos. É cultural também e tem certas vezes que reclamar, expor e por para fora, nos alivia, embora tenha gente que parece não saber (ou não querer) fazer mais nada da própria vida, além de reclamar. 
Mas a questão é que essa nossa insatisfação tão genuinamente humana não é de todo mal, muitas vezes ela nos impulsiona, não permite que nos acomodemos na zona de desconforto. 
E essa é a reflexão que proponho nesse texto. 
Se os 84% hoje acreditam que, nossas vidas não eram tão ruins assim e sentem aquela pontinha de remorso por reclamar e perceber que, fatidicamente, as coisas sempre podem, de fato, piorar e que dariam tudo para voltarem às suas rotinas de 5 meses atrás, ao invés de fazerem como sempre fizeram (que é reclamar e não fazer efetivamente muita coisa para mudar) se darem conta que a insatisfação pode ser o fio da meada, a pontinha que desencadeia mudanças significativas, então, talvez, esse período de isolamento social, não seja tão negativo e inútil, quanto parece.

A boa notícia (sempre tem uma) é que muito em breve, com a chegada das vacinas e medicações próprias, a vida nos dará uma segunda chance. Em breve a maioria de nós retornará às atividades, à correria, ao trabalhos, às obrigações.
E então?
Qual será a sua atitude perante essa tão desejada segunda chance?
Às vezes me pego como falando a um ex namorado "Por favor, meu bem. Eu estou aqui para dizer que reconheço meus erros, que aprendi com eles e que você me faz muita falta. Não cometerei os mesmos erros. Não quero te perder. Me perdoa? Vamos ser felizes daqui para frente"

Risos à parte, será que vamos mesmo ser felizes daqui para frente? Não será que a nossa "saudade" nada mais é que a nossa velha mania de só olhar para aquilo que nos falta? De colocar o foco em tudo que NÃO temos?

Espero que tenhamos percebido realmente que a trivialidade da vida é o que a torna sensacional. Porque podemos viver bem sem viajar para Paris, mas duvido que consigamos viver bem sem colocar nossos filhos para dormir toda santa noite, sem ter o pãozinho com o leite para por na mesa todas as manhãs...sem o emprego que nos garante o sustento digno, sem os almoços e cafés na casa dos nossos pais e tios...essa trivialidade, a rotina é fundamental. Não a monotonia, não o ócio, não o conformismo. Mas a rotina doméstica, a interação familiar, as responsabilidades, os horários (sim!) e tudo aquilo que dá um sentido às nossas vidas. Que faz sentir que temos um propósito. 

Estamos com saudade de SONHAR; de fazer planos. De poder programar as férias com as crianças, as festas de fim de ano. A ida à casa dos amigos, nossa passadinha na manicure com aquele café na nossa livraria preferida. São as pequeninas coisas que nos fazem uma falta aniquiladora. 
Que bom que estamos nos dando conta disso, talvez percebamos também que nem precisamos mais de tanta coisa assim para viver e quem sabe, comecemos a riscar os itens da listinha infinita "do que falta para ser feliz" e passemos a incluir mais na lista "o que eu tenho para ser feliz". 

E o melhor, é que para começar a fazer isso, não precisamos da permissão de vírus nenhum, não precisamos esperar vacina alguma, podemos começar exatamente AGORA. 
Porque, de fato, isso é a única coisa que temos: O AGORA.

Bruna Stamato