Estou
sentada num café quando entra uma moça, aparentemente apressada e se dirige
direto ao balcão, pedindo algo para viagem. Passa um tempo e uma mulher que
estava sentada à minha frente a chama pelo nome e acena com os braços. A moça
que agora estava indo pra fila do caixa a cumprimenta de lá mesmo e a mulher
que continuava sentada tentou engatar um papo e o diálogo foi mais ou menos
assim:
- Como estão
as crianças? E o Pedro? De férias?!
De lá ela
responde: - Que nada! O Pedro tá trabalhando, mais que nunca! As crianças estão
na minha mãe hoje, e os meninos?
- Estão bem!
Me enlouquecendo! Vamos marcar algo! Sábado te ligo, pegamos uma praia!
E a
apressada respondeu: - Sábado não dá! As crianças vão para um acampamento de
férias, voltam semana que vem, direto pro inglês e pro judô, porque esse ano é
pegar pesado com eles! *risos*
E a
simpática e insistente amiga continuou... – Sei bem! Biel vai voltar pro
Espanhol esse ano de qualquer jeito! Quinta que vem vai ter teatrinho no
condomínio! Leva eles!
E a outra,
já saindo da loja disse: -Quinta eles começam computação! A da escola não está
dando conta! Mas te ligo! Beijos!
Pude notar a
grande insistência da mãe-simpática e a grande dificuldade que temos, hoje em
dia, de arrumarmos tempo para...NADA! Para jogar conversa fora...para fofocar,
sim! Para nos reunirmos com as crianças, com os familiares... Qual foi a última
vez que sentamos com os pequenos para fazer uns rabiscos?
Como os
italianos bem dizem “ Bel far niente”, traduzido: A Beleza de não se fazer
nada.
Quando não
estamos fazendo nada, estamos fazendo algo muito importante por nós mesmos, nos
permitindo descansar, criar, incorporar, ser.
Nos
permitimos apreciar, ouvir com clareza, e enxergar, não só olhar, o mundo ao
nosso redor. Para que isso tudo aconteça, requer tempo; Calma; Respiração suave.
Se pra
nós, adultos, já é bom, imagina para as crianças, que estão em pleno
desenvolvimento, motor, neural, emocional e existencial!
Arrisco
dizer que é vital.
É vital ter
um refúgio nessa vida acelerada. É maravilhoso andar descalço na terra molhada.
É bacana aprender Francês aos 8 anos, mas é bacana também aprender a mergulhar
no mar, não quebrar com as ondas, não dar bobeira. É bacana dançar balé
contemporâneo, mas é bacana também dançar sozinho no quarto, com o som alto,
cantando com uma escova de cabelo de microfone!
É legal ficar horas no telefone
com a melhor amiga! Combinar um cinema numa sexta... É super importante
aprender a mexer no computador, mas é mais importante ainda ter o sono em dia, muitos
hormônios são liberados durante o sono, e a capacidade de aprendizado nas
crianças também é estimulada. É importante também, aprender a cair e a levantar
de uma bicicleta, de uma árvore. É legal ter um tablet, mas é maravilhoso ter
um cachorro!!! Toda criança merece um cachorro!
É bom tirar
10 em tudo, mas não é fundamental. Fundamental mesmo é poder ser apenas
criança.
Sem tantos
horários e regras e cobranças. Não quer dormir ás 9hrs em ponto? Estica até ás
10 hrs, uma vez ou outra. Não mata ninguém. Mas stress mata, a longo prazo. É
um veneno silencioso. Já não basta o que os espera pela frente?
A mãe-apressada
deixou bem claro que as crianças não tinham tempo pra brincar, de forma alguma.
Agenda lotada, sorry! Mas, acho que talvez ela tenha esquecido de reservar um
tempinho para o Nada.
Hoje em dia
nossas crianças acordam super cedo, vão pra escola, voltam pra casa, almoçam e
vão para suas atividades. 12 hrs por dia e 5 dias na semana parece pouco para a
infinidade de possibilidades que temos. Eu concordo que é importante saber
falar inglês num mundo tão moderno e informatizado, que esportes são excelentes
para a saúde e disciplina, que as competições são boas pois nos dão um ótimo
know-how pra vida.
Mas...pera.
Seu filho precisa mesmo falar Mandarim aos 6 anos de idade?
Quem sou eu,
pra estar aqui, dando pitacos na sua forma de criar seus filhos né... Ninguém.
Mesmo. Sou só uma mãe também, tentando fazer o melhor que posso, assim como
você. Cheia de questionamentos e dúvidas a perder de vista, assim como você.
Zelando para que meus filhos sejam pessoas de bem e bem sucedidas e que não
passem os mesmos perrengues que eu passei...assim como você, acertei?
A gente tem
essa premissa, de querer dar á eles, o que nós achamos que nos faltou. Mas
talvez, a gente esteja precisando prestar mais atenção, no que tivemos. E do
que gostávamos.
Eu estudei
inglês, sem querer, porque meu pai me obrigava. E hoje agradeço muito por isso!
E eu também agradeço muito pelo diálogo ter sido sempre permitido e estimulado
lá em casa. Me lembro de falar que não gostava de educação física e que não
iria fazer, e do meu pai indo ao colégio negociar alguma outra atividade que
complementasse as aulas de ED.F, até que conseguimos inserir hidroginástica
para as meninas! Foi um sucesso! Eu nunca gostei de balé ou jazz e certa vez
meu pai me levou na academia de uma amiga dele, ele insistiu que era bom pro
meu corpo, para eu saber me alongar, para eu ter disciplina e que as minhas
amiguinhas faziam. Eu disse que não curtia dançar aquilo, que achava um tédio e
que na verdade, meu sonho era aprender bateria! Lá fui eu! E assim fui eu pro
Espanhol, pro curso de maquiagem, pro curso de modelo e passarela...e fiz disso
a minha profissão por muito tempo.
Não ganhei tanto dinheiro quanto teria ganho
se tivesse sido engenheira química como meu pai e falasse alemão fluente e
fosse trabalhar fora, mas, eu fui feliz. Certa vez, em uma das minhas
corriqueiras crises existenciais, liguei pra ele chorando e disse “Pai
desculpa. Desculpa por não ter sido nada. Por não ter te dado uma alegria...por
não ter me formado, nem casado na igreja.” E ele me disse “Cara!! Como não?! A
minha maior alegria é ver a sua alegria! Olha quanta coisa você fez! Me deu
netas lindas, é uma mãe maravilhosa, uma filha de ouro e um ser humano com
caráter ímpar (obrigada pelas palavras e pelo exagero, pai). Quer mais alegrias
que isso?!”
Com os olhos
cheios de lágrima, encerro esse texto, porque meu velho já não está mais aqui
hoje, mas ele foi e ainda é, o melhor pai que eu poderia ter tido, porque ele
me permitiu ser sempre EU mesma. Nada além ou nada menos que EU.
E ele não
nos deixou fortuna ou bens, mas com certeza, deixou excelentes lições, que eu
carrego pra vida.
Me lembro de
ter lido muitos livros e revistas quando estava grávida, e te der formulado
teorias perfeitas para se criar um bom ser humano. Tinha tudo esquematizado até...
até o momento em que peguei meu bebê no colo pela primeira vez. Daquele mágico
momento em diante, não me importava mais que ela falasse 3 idiomas, nem que ela
fosse médica ou fizesse MBA no exterior.
Não me importava se ela quisesse ser
atriz, dançarina do ventre ou poetiza. Não me importava se ela se casaria aos
20 ou aos 36. Se ela tivesse um casal de filhos ou optasse por não ter nenhum.
Não me importava se ela gostasse de meninos ou de meninas. No momento em que eu
peguei a Julie no colo e olhei bem pra carinha dela, eu me lembro de ter dito
baixinho “Filha, oi, é a mamãe! Tamo junta viu? Daqui até a eternidade, minha
paixão desenfreada! Eu só quero que você seja FELIZ.”
E ainda
hoje, 10 anos depois, eu digo pra ela sempre!
Tem que
estudar! Tem que ter atividades! Tem que ter rotina, disciplina. Mas tem que
ter também amizade, diversão, brincadeira, descanso, na mesma proporção.
Eu não quero
filhos ricos e prontos para o COMPETITIVO mercado de trabalho. Eu quero filhos
felizes e prontos para a VIDA. Prontos para criarem seus filhos felizes, e
assim, sucessivamente.
Que tal nos
darmos tempo?
O tempo,
hoje, vale mais que qualquer ação da bolsa, que qualquer dinheiro no mundo.
Deixemos que aproveitem então, porque a vida já vai cobrá-los caro demais.
Bruna
Stamato
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