No seu aniversário de 8 anos, o menino de cabelos ruivos comemorou com seus pais, avós e tios mais próximos, que lhe fizeram um bolo e enfeitaram a casa, enquanto abria os presentes, ele pensava “Que legal! Não quero nunca que esse momento acabe! Quero abrir presentes pra sempre!” e já na cama para dormir, começou a se sentir mau, um aperto no peito tomou conta de si, um nó na garganta que não saía por nada, de repente o coração acelerado e lágrimas começaram a cair. Tentou se levantar mas as pernas pesavam e caiu de volta na cama, à essa altura, chorando compulsivamente. Foi cambaleando até os presentes que havia acabado de ganhar e começou a embrulhá-los, todos de novo, um a um. Sua mãe ouvindo o barulho que vinha do quarto, entrou sem bater e pegou o filho soluçando enquanto tentava emendar os papéis rasgados de presente. Ela o pegou no colo e sentou com ele na cama tentando consolá-lo, mais tarde, quando o menino se acalmou, ela perguntou o que havia acontecido “Eu não sei mamãe. Comecei a me sentir muito mau, meu coração disparou, parecia que tinham me dado uma facada no peito, era muita dor. Dor porque eu queria continuar abrindo os presentes, porque eu queria que o momento em que eu os ganhei voltasse.” “Nada nesse mundo volta, meu filho. Isso é saudade.” “ Saudade”. Repetiu o menino. Mas que síndrome horrível lhe acometeu subitamente. Sofria de saudade crônica e por tanto, incurável. Conforme o ano foi passando e seu aniversário mais uma vez se aproximando, a mãe perguntou que tipo de festinha ele queria aquele ano e ele disse que não queria sequer comemorar nada. Não queria festa. Não queria bolo nem muito menos abrir presentes. “Vai que eu tenho outra crise de saudade, Deus me livre.” E assim foi passando o tempo...uma outra crise braba de saudade lhe acometeu quando perdeu o dente da frente, pois tinha se achado muito feio banguela e queria seu dente de volta...e nem escola frequentava, pelo pânico absoluto que o tomava só de pensar que pudesse gostar e saudades um dia sentir dos amigos que se perderiam com o tempo, da professora que talvez lhe desse uma atenção especial ou do cheiro da merenda fresca. Sua mãe lhe ensinava as poucas coisas que havia aprendido com a vida, mas o menino tinha verdadeiro pavor de ouvir e imaginar as experiências empíricas que o fato de estar vivo lhe impusera. Já pensou se ele tivesse que plantar uma semente, regá-las todos os dias e vê-la crescendo através dos anos, se afeiçoar à ela e um dia, uma tempestade a derruba e acaba com tudo? Isso lhe causaria uma saudade enorme. Deus me livre. Não gostava nem de desce pro jantar pois sabia que a ordem natural das coisas era que os mais velhos morressem primeiro, e ele sabia que sentiria uma saudade monstruosa de sentar-se à mesa com seus pais. Sendo assim, preferia jantar sozinho no quarto. Se preparou tanto para o dia que estaria sozinho que quando tal dia finalmente chegou, o menino já era um homem feito, a casa onde havia crescido agora estava à venda e à sua porta batia um comprador. Fez as malas bem depressa e num último olhar antes de deixar a casa onde havia vivido tantos anos pensou “Não tenho o porque sentir saudades. Não corri por essas terras, não vi meu pai tocando violão nas noites de sexta feira nem tenho a recordação da feição dos meus pais jantando alegres á mesa.” E enquanto caminhava em direção ao incerto – que é a única certeza da vida – lágrimas começaram a correr, incontrolavelmente pelo seu rosto. Pois mesmo não tendo vivido tais momentos, a saudade invadiu e tomou conta completamente de seu ser. Da música preferida que seu pai tocava nas noites de sexta, que se podia ouvir por todos os cantos da casa; Pelo cheiro da comida da sua mãe que ele não havia compartilhado à mesa. Pelo barulho da chuva e o cheiro da terra molhada pela qual ele nunca tinha corrido. Mas que absurdo! Estava com saudades de coisas que nunca havia vivido! Como a sensação de aprender a andar de bicicleta, que sua mãe descrevera algumas vezes. Como a sensação de apaixonar-se ao primeiro olhar, como seu pai havia lhe contado com tanta riqueza de detalhes, no dia em que conheceu a esposa. Se deu conta que nada tinha adiantado ter se privado de todos esses momentos, pois agora tinha saudade do que nem conhecia e para a imaginação isso era um perigo enorme. Do que mais sentiria saudade, afinal? Sentia saudade dos tempos em que acreditava não ter saudade de nada. Sentiu saudade de sua mãe o aconchegando no colo em sua primeira crise de saudade. Deixar de viver os momentos porque eles podem te causar saudade um dia é a mesma coisa que se matar aos 16 anos porque um dia você vai morrer de qualquer forma. A morte vai chegar um dia, quer você queira ou não. Assim como a saudade. Mas a saudade é consequência de bons momentos vividos, a morte nem sempre foi uma boa vida. Então, lhe desejo muita saudade, e que a sua saudade se renove sempre, esteja em processo constante de mutação, assim, toda a sua vida terá valido a pena. 'Bruna'