A mente humana é uma caixinha de surpresa, porém alguns comportamentos são previsíveis e até mesmo esperados, em momentos específicos da vida, como este atual cenário mundial causado pela pandemia do Corona vírus.
Em situações de estress e "perigo iminente" nosso cérebro adota certos procedimentos para continuar garantindo a nossa sobreviência.


E essa é exatamente a função do "cérebro reptiliano", um conceito apresentado pelo neurocientista Paul MacLean, que divide o cérebro em três partes: O neocórtex, responsável pelo discernimento e decisões racionais, o sistema Límbico que comanda as emoções e a parte reptiliana, responsável pelo instinto, situada na base cerebral. Ganhou esse nome "reptiliano" em menção aos répteis mesmo, que não possuem capacidade de raciocínio lógico, somente instinto. 

Por mais que a nossa parte racional saiba exatamente o que está acontecendo e as medidas que precisamos tomar, o sistema reptiliano está sempre alerta e, acredite em mim, mais ou cedo ou mais tarde, ele vai começar a te enviar os sinais! 
Seres humanos não trabalham bem as emoções de perda, tanto que esse é um gatilho famoso e já manjado pela publicidade, sabe quando você vê uma propaganda e no final enfatizam bem que tal vantagem promocional é só para os que comprarem nos próximos 30 minutos ou então entra uma tarja dizendo "ÚLTIMAS UNIDADES DISPONÍVEIS"? Esse é o gatilho da escassez comumente usado para ativar a decisão de compra por instinto, a mesma que muitas vezes nos faz pensar "Meu Deus, por que eu comprei isso?". Na atual situação que estamos vivendo, essa sensação de perda está sendo bem real. Estamos em nossas casas em isolamento social pensando que a cada hora que passa estamos deixando de fazer dinheiro. Que a cada hora que passa, PERDEMOS mais 1 hora de nossas vidas...que podemos perder o emprego e quantas coisas poderíamos estar fazendo e estamos perdendo? E pode ainda ser seguido de perda de prestígio, perda de poder, perda de influência social; e a que pode ser a mais forte de todas, PERDA DA LIBERDADE, do direito de escolha, do poder de ir e vir; a listinha é grande, caros leitores.

A questão é: Até certo ponto, que estima-se que seja entre o 12° e o 16° dia de privação social e de rotina, o cérebro começa a entrar no modo "sobrevivência". Ele fala "Espera aí! Tem alguma coisa muito errada acontecendo, preciso garantir que ficarei bem de qualquer forma" e então o sistema reptiliano entra em alerta vermelho e a gente começa a experimentar uma potencialização das sensações de angustia, medo e insegurança. Isso explica a corrida para estocar comida e o medo irracional que às vezes nos domina.
Nós, humanos, precisamos ter planos, metas traçadas e um mínimo esquema particular de organização mental, olhar para um futuro incerto e se sentir impotente, literalmente, nos adoece. 




Com o sistema reptiliano ativado, começamos a ter nossa bioquímica alterada: Passamos a produzir mais cortisol (que é considerado o hormônio do estress), noradrenalina (que é o hormônio mensageiro que uma "batalha" está por vir), a glândula suprarrenal começa a ficar sobrecarregada, o fígado libera altas doses de glicose no sangue, dessa forma temos o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea aumentados, os músculos enrijecem e então o fluxo sanguíneo que irriga os músculos também aumenta e aí o caos interno está instalado. 
Como consequência vamos sentir dor de cabeça com mais frequência, dor nas articulações, nossa postura muda, tornando-se defensiva, o que nos leva a contrair ainda mais os músculos do diafragma, que vai nos causar dificuldade para acertar a respiração e dor no estômago, além do aumento na produção de suco gástrico podendo desencadear uma gastrite nervosa.
Isso tudo é uma resposta IMEDIATA ao estresse, ao perigo que se aproxima colocando a nossa sobrevivência em risco. Agora imagine como é o organismo de uma pessoa que vive constantemente sob estress? Pois é, o estress realmente é perigoso. 

Com isso tudo, o cérebro ativa uma espécie de mecanismo de defesa para se proteger, como um efeito anestésico no neocórtex, o que vai nos levar a uma diminuição consideravel da nossa capacidade de discernimento e de planejamento a médio e longo prazo, dimuição da memória recente e capacidade de processamento e armazenamento de informações. Esse efeito é chamado de "Brain fog", que em português seria algo como "neblina cerebral".
Aí me respondam: Como uma ser humano com a sua capacidade lógica comprometida pode se sair bem em uma situação como a que estamos enfrentando? Se o perigo fosse um leão à nossa frente, toda essa bioquímica nos ajudaria a não perder tempo pensando, apenas seguiríamos o instinto e sairíamos correndo, nos esconderíamos ou arrumaríamos o primeiro objeto que aparecesse para nos defender. Mas como o perigo em questão é algo que não compete a nós, que não cabe uma luta corporal e sim o contrário, que exige de nós calma, resiliência e foco, uma bioquímica cheia de adrenalina não é mesmo algo lá muito útil. 

Então, trouxe hoje 5 atitudes que podemos adotar para mantermos nosso sistema reptiliano sob controle, nosso neocórtex ativo e operante e aliviarmos um pouco a tensão!


1- Reorganize a rotina
Calma! Eu sei que para muita gente é praticamente impossível continuar mantendo a rotina e isso também não faz muito bem para o cérebro, uma vez que temos uma excelente e ilimitada capacidade de reorganização. Então, comece uma rotina nova, mas mantenha horários. Temos uma forte tendência a dar uma relaxada, flexibilizar os horários (mesmo quem está em homeoffice) e até mesmo trocar o dia pela noite. Mas o cérebro precisa saber que ainda existe uma vida que precisa ser vivida, um mundo lá fora e que em tudo está perdido. Por isso, minha primeira dica é para que você ajuste o despertador. Não precisa ser às 5:15 da manhã, mas defina um horário (eu faço a contagem de 8hrs a partir do horário que vou dormir). E se possível, estabeleça também o horário do almoço, isso é bom para regular o relógio biológico. 





2- Pequenas coisas, grandes resultados
Que tal definir pequenas metas, pequenos afazeres para o dia seguinte? Isso nos mantém mais ativos e focados, mesmo que você não tenha que trabalhar de casa e que esteja tudo sob controle, se olhar com cuidado vai encontrar pequenos ajustes para fazer. Pode ser arrumar o armário, separar roupas para doação ou mesmo programar o almoço de amanhã ou dos próximos dias. E o principal: Não fure esses pequenos compromissos consigo! Você precisa mostrar para o cérebro que é capaz de se reorganizar e de manter a paz mental e que o cérebro reptiliano não precisa se preocupar. Além disso você estará estimulando o sistema de recompensa, que é ativado sempre que cumprimos metas particulares, por menores que sejam.


3- Novos hábitos, novos resultados
A palavra "novidade" já atrai a atenção do cérebro por si só (os marketeiros sabem muito bem disso!). E isso tem explicação científica: A neuroplasticidade (uma área da neurociência) comprovou que independente da idade cronológica, o cérebro humano SEMPRE é capaz de fabricar novos neurônios e expandir qualquer área, seja da criatividade, da memória, da resolução de conflitos, enfim, estamos em constante aprimoramento e a forma mais eficaz de aumentar a quantidade de novos neurônios é oferecendo novos estímulos. No português bem claro: O cérebro gosta de APRENDER. Nem estou falando de aritmética ou latim, mas pequenos estímulos são capazes de produzir grandes resultados!
E não vejo hora melhor para começar a introduzir novos hábitos e estimular o cérebro, do que agora, que estamos vivenciando uma experiência completamente nova. Entende-se por "novo" tudo aquilo que gera curiosidade e medo, na mesma proporção. Somos ACOSTUMADOS, condicionados, ou no sentido mais literal da palavra "adestrados" a fazer o que fazemos, a pensar como pensamos e a ser quem somos, então tudo que fuja da nossa zona de conhecimento nos gera medo, medo é um sentimento genuíno e todas as espécies possuem, mas graças ao Neocórtex, desenvolvemos o medo "racional" que é aquele que foge do instintivo. 
Então no começo, MUDAR pode ser difícil e o cérebro pode oferecer RESISTÊNCIA, mas insista mais um pouco, sem pressa e você verá que ele pega o gosto e passa a ADORAR a experiência! 
Que tal aprender receitas novas? Ou experimentar falar o alfabeto de trás para frente? Ou então, pentar o cabelo e escovar os dentes com a mão não habitual? Além de manter o cérebro funcionando, tira o foco dos problemas e ainda é divertido.






      4-   Se ofereça segurança 
Não, não vou indicar aqui que você pratique Ioga nem meditação tibetana. Mas, lembre-se que você está funcionando em modo SOBREVIVÊNCIA, e que precisa desativar, ou pelo menos, tranquilizar seu sistema reptiliano. Por isso a quarta dica é que para você se forneça segurança emocional. Ficar largado de pijama no sofá o dia inteiro comendo besteira e vendo série sobre o fim do mundo, não vai ajudar em muita coisa.
Quero que você solte a imaginação e crie um “santuário” na sua mente, um ambiente tranquilo, onde ninguém mais tem acesso, somente quem você autorizar. Pode ser um chalé no alto de uma montanha ou uma casa em uma ilha, por exemplo. Visualize os detalhes da decoração, o clima que está fazendo e se quiser escolha uma música ou um cheiro que será “tema” desse seu lugar especial. Sinta como é maravilhoso estar EM CASA, em um lugar onde não há necessidade de pagar contas nem há preocupação, só beleza e calmaria. E lembre-se que você é o seu lar. O que acontece no mundo externo não pode afetar o seu lar e você pode visita-lo e descansar nele quando e de onde quiser. 






5- Adaptabilidade 
"Adaptabilidade" é característica de tudo aquilo que é adaptável. Adaptação é uma das formas mais latentes de vida. Quem não se adapta está automaticamente eliminado do jogo pela seleção natural. 
Trabalhemos com a hipótese de que as coisas não "VOLTEM" ao "normal". Porque o conceito de "normalidade" é um tanto relativo e pessoal e o tempo não VOLTA, o sentido da vida é 1 só e para FRENTE. 

Então, supondo que a sociedade como conhecemos não volte completamente a ser o que era (o que é a pior hipótese que podemos prever), as mentes mais flexíveis e adptáveis se sairão melhor. Por isso, sugiro que você, querido leitor, não fique se perguntando o tempo todo "quando" as coisas voltarão ao normal, mas que você passe a enxergar novas possibilidades daqui para frente. Nem sempre o mundo foi como o conhecemos. A humanidade já teve diversas formas de organização social, cultural e econômica. Isso não é um problema para o ser humano. O grande problema consiste em se agarrar em coisas e situações. 
Então, avise para o seu cérebro reptiliano que, haja o que houver, nós vamos nos reorganizar como sociedade e garantir a continuidade da espécie. Não é o fim do mundo, talvez seja apenas o fim de um ciclo para muita gente. De qualquer forma, continuo batendo na tecla que FINAIS são necessários e que todo fim é um novo começo. Quem dá a conotação de "bom" ou "ruim" de "negativo" ou "positivo" somos nós. Trabalhe a sua mente para se tornar mais adaptável e para enxergar ALÉM do muro, é lá que está a motivação. 


Bruna Stamato